
“Nunca chorei.”, disse. A mão esquerda a tremer no bolso, a ir depois buscar a lágrima ao olho, a cortá-la pela raiz. A mão direita quase a querer o braço, a segurar mal a mala mal fechada, de ter saído à pressa. Lembrava-me de ali ter estado, mais novo, e umas quantas folhas a mais nas árvores. Quando chovia, em pequeno, empoleirado sobre o banco alto, com os pés entrelaçados, punha o dedo pequeno debaixo da telha furada. Nunca passavam carros para me ver. Era uma coisa minha. O resto da mão fechada e o dedo indicador a segurar gotas de chuva. Depois, se apanhava uma, pisava-a debaixo do olho e via-a cair. “Mãe! Estou a chorar!”. Dizia-me que não. Que quando se chora, os dois olhos quase que liquefazem, ficam vermelhos e a cara vira do avesso uma dor miúda. “Nunca chorei”, e eu tentei.
Hoje, cedo, quebrava a promessa. Lembrei-me do que éramos para ser, quis ver-te. Quero ver-te. Vou dando passos, a ver quão longe é preciso estar para abrir mão do que tenho de quando ainda éramos, e nunca fomos. Tenho pensado em nós. Queria abrir um livro em branco, escrever o teu nome e fechá-lo. Esquecer-te assim. Pôr o livro num pilha feita de outros tantos iguais, para esquecer. Não tinha que aqui estar, assim.
Lembro-me de em pequeno contar gotas de chuva e conseguir. Sabia sempre de cor, um dia depois, quantas gotas tinham chovido ontem. Já as contei de olhos fechados, a meio sono, a dormir. Lembro-me de, de olhos fechados quantas ouvia cair no chão, e não dormir mais para não perder em números. Estrelas já não. E eu tentei. Nunca se hão de conseguir contar estrelas. Lembro-me de tentar em noites que passava a esquecer-te. E havia sempre mais uma, no canto do olho, e mil por detrás dela. Lembro-me de as querer roubar, em pequeno. De saber as minhas histórias de cor, para me adormecer feliz. Lembro-me de trazer chuva no bolso para chorar. Ainda não me esqueci de ser pequeno e querer crescer, tão alto quanto nuvens, para roubar estrelas e pintar o sol de outra cor. Lembro-me de caber nos teus braços e querer contar, a par de estrelas, e chuva e saudade, o quanto gosto de ti. Lembro-me de querer escrever o teu nome onde quer que fosse. E escrevi-o num banco de jardim. Mais nada que não o teu nome. E daí o ter vindo à pressa. Quero vê-lo. Ver que não foi assim há tanto. Ainda te quero ver. Quero ver, pelos olhos que não choram, que há árvores agora, com umas tantas folhas a mais. Que tudo mudou, que tudo foi atrás. Mas que o nome escrito no banco de jardim, não. Que há coisas que ficam para lembrar que há coisas que vão.
2 comentários:
fogo....está fantástico...
:)Ontem não to disse, mas gostei muito! :)
Enviar um comentário