15 setembro, 2009

trinta e oito

Mudei de roupa sete vezes, procurei farrapos por toda a casa. Vesti os piores que tinha e desci as escadas do prédio até uma loja de roupa qualquer. As mangas ou longas ou curtas demais, tudo fica feio. Subo e volto a casa. Perco 10 minutos a escolher o que levo e 2 a vestir-me. Dou meia volta à casa à procura do que calçar. Procuro num armário alto uns sapatos antigos que não fiquem muito mal, e escolho uns de há uns anos. Apertam-me os pés, fazem-me os pés mais pequenos, um número ou dois. Dou um jeito aos ombros e desço. Trago um copo ainda na mão, que devia ter deixado lá em cima. Bebo de uma vez e deito o copo ao chão, à porta do prédio, chuto pedaços de vidro para trás de uns contentores ao lado. A camisa está por passar a ferro e a barba mal feita. Dei duas baforadas de perfume em vez de três. Os pés começam a doer logo entro no carro. Os ombros descaem, mal me lembro de me compor. As calças longas demais, raspam no chão e vão rasgando. Tenho horas de sono em falta, tenho as pálpebras dos olhos a fechar. Sigo pelo passeio, olho para o relógio a cada dois passos. Não cai uma pinga do céu há três semanas e tropeço em poças de água, umas atrás das outras, escapo a esta, sujo-me naquela. Tiro o telemóvel do bolso e marco o teu número. Não respondes, deixo uma mensagem: “estou quase a chegar”. Tiro o anel que nunca tiro, arrumo-o no bolso do casaco. Chego à rua do restaurante, ouve-se a vossa conversa do outro lado da estrada. Passo entre os carros, tropeço e fujo dumas quantas poças, fujo por uma unha negra dum carro. Olho pelo vidro, sentaram-se junto à janela. Bato com o dedo indicador no vidro, o braço esquerdo enterrado no casaco a segurar o anel, aceno com a palma da mão direita. Vejo-te no meio da mesa, com um lugar à frente vago. Não mudaste nada.


.Fica

2 comentários:

Isabel Campos disse...

o «fica» está tão bem

Guardião disse...

:O que merda tão brutal, caga pa tudo! Muito bom mesmo