13 dezembro, 2011

The End





Foi um prazer. Obrigado






<3

12 dezembro, 2011

oitenta e dois

Venham ver o que fiz. Meia dúzia de árvores feitas meia dúzia de folhas. Um poema escrito no chão com a única água que tínhamos. Se tivermos sede, a chuva há de vir ter connosco. Deixei um mapa a dizer para onde íamos. Se ficarmos quietos, o mundo gira sozinho. Meio palmo enterrado no chão. Lama e miúdos a fazerem pinturas de guerra. Nunca hei-de ser pai do que já é nascido. Nunca hei-de ser pai então. Tudo nasce depois de mim a partir de agora. Sou um ano zero. Mil anos depois de mim, meia dúzia de dias antes de mim, e por aí fora. Amanhã acordamos cedo, subimos a montanha, seguimos para a praia. Mar adentro com mil casacos vestidos por cima uns dos outros. Temos tanto tempo para sermos miúdos. Tudo é maior que eu. Mas se me puseres no topo da montanha (contigo às minhas cavalitas), somos mais altos que tudo. E é o que importa. Tenho a nossa altura, tenho a nossa idade. Somos o ano zero. Nasci quando dei conta das minhas saudades tuas. Amanhã faço anos. Todos os dias faço. Fazemos, aliás.

oitenta e um

Contei três aviões e é noite cerrada. Um avião, um desejo. Ensinaste-me, aprendi. Há tiques que começam a fazer sentido. A minha cama continua a ter espaço para ti, deixo sempre espaço para ti. Três aviões. Cruzei os dedos três vezes, três vezes que te imitei o tique e rezei pelo velho. Eu juro que não sou de rezar, não planeio repetir a brincadeira. Mas dá-me dois minutos e tempo para vestir mais um casaco. Aguento o frio e fico a contar os aviões todos, os que houver no céu, pelo Velho. Sabes a merda que é o meu "Vai tudo ficar bem" não valer de nada? Vou agora para a varanda outra vez. O blog, mais dia menos dia, acaba de vez. Sigo viagem para outro lado. Mais três ou quatro dias, conto as 100 publicações e arrumo a trouxa. Queria estar contigo. Vamos esperar que tudo corra bem. Não mereces outra coisa. Não vou prometer nada, tenho de me deixar disto. Não sou Deus nenhum para fazer ideia do que se diz agora. Dorme bem. Qualquer coisa, qualquer coisa mesmo, e eu faço de conta que sei o que se diz agora. O que é que faço às mãos? Vou pedir que tudo corra bem, é só passar o próximo avião. Não vou prometer nada, não posso. Beijinho na testa, beijinho na ponta do nariz. Se eu não dormir nada de jeito hoje, dorme tu. Vamos fazer de conta que não me vim embora, esticar a coisa só mais uns dias. Juro que queria dizer a coisa certa. Fica para a próxima. Fica comigo. Mais um avião. Amanhã digo-te quantos foram. Boa noite

11 dezembro, 2011

oitenta


Juro que não era isto que queria dizer.
Aponta a arma para outro lado, miúda.
Faz pontaria para o que quiseres estoirar noutro lado da casa.
No meu quarto não. Traz a gasolina e abençoa o resto da casa,
mobília que demoraste séculos a escolher, livros que achas
que te dão pinta sem os teres lido. O poster de um David Lynch
no quarto não te faz milagre nenhum. O cd dos Smiths para ajudar
na perna mais curta da mesa de jantar, é o que é. Tens meia dúzia de
dias para inventar milagres, gostas do negócio? Meia dúzia de dias e damos uso
ao décimo quinto andar: a casa toda pela janela. Juro que me estou cagando
para a mobília que os teus papás arranjaram para nós. É isto.
Aponta a arma para outro lado, eu não me mexo. Faz um duelo disto.
Eu numa ponta, tu noutra. Costas com costas. Põe a Someone's in the Wolf a tocar.
Ou dançamos ou damos uso à arma. Deixemos a coisa rolar.
Bang Bang. Soa a bom plano, não? Fodamos a casa toda.
Mas deixemos o meu quarto intacto. É a única condição.
Dito. Shoot. Eu não me mexo.

04 dezembro, 2011

setenta e nove

Eu sou mais do que isto.
Posso passar a noite inteira a
falar sozinho e não me ligares puto,
fazeres de conta que não sabes que
sou uma pilha de nervos a fazer birra
de miúdo, safo-me bem. Tempo que
tenho a mais, demais, quero guardar
para depois. Quero uma boleia, porra.
Podias parar para me fazer o jeito,
e eu sei que tens lugar para mim.
E verdade seja dita.
Que se foda se não
der. Continuamos
amigos, certo?
Rio-me tanto
a pensar nisto.
O velho do
Lobo
Antunes
dava-me
um enxerto de porrada
se me ouvisse falar.
E não haveria como me
levantar, a partir daí.
Com vocês todos, posso eu bem.
Só não sei se me aguentava com o Lobo Antunes.
Mas convosco, nem eu preciso do copo a mais para
ficar leve, nem vocês de aguentar comigo.
Continuamos amigos, certo?
Eu sou mais do que isto.
Dá-me um segundo,
um fato do meu tamanho
e sorrio até onde os lábios esticados me deixarem.
Quando tiver que me preocupar com isto, preocupo.
Por agora, aguento contigo.

Podes-me dar boleia? Se faz favor. Obrigado.

03 dezembro, 2011

setenta e oito

Meu bem, tenho meia dúzia de moedas e não há muito em que as queira estoirar sozinho. Já dei para cigarros que fumo e empresto para não querer fumar. Já ando a treinar o estilo do Nick Valensi, qualquer dia ainda aprendo mais um acorde ou dois e armo-me em esperto, toco-te uma música de jeito. Mas não prometo nada. Dava-me jeito que tivesses saudades minhas, para que as que eu tenho tuas tenham com que se entreter. Estou quase de volta. Esperaste?

28 novembro, 2011

setenta e sete

Que sejas rainha, isso faz de mim rei?
Apetece-me ser dono disto, também.
A caminho de quem quero ser, não queres vir comigo?

22 novembro, 2011

quase setenta e seis

Lembrete: Fazer um texto em que meta cowboys e uma espécie de vénia ao Kirk Douglas. Um velho faroeste. Vai pensando no assunto, miúdo.

20 novembro, 2011

setenta e cinco

- Faça-me um favor, segure-me o copo enquanto eu peço outro para estoirarmos num piscar de olhos.

- Deixe. Continue. Creio que chega por hoje. Para mim, pelo menos

- Sejamos crianças, que acha? São a matéria-prima de tudo. São ouro por polir. Se há música para pôr a tocar, deixemo-los dançar, deitar fogo a isto tudo para tirarem uma fotografia, para um quadro, para uma sala. Imagine só. Uma casa a arder, e um miúdo que tire uma fotografia. Para pendurar numa parede, numa outra casa. O preço da arte, não acha?

- Acho que ainda somos crianças, isso é que eu acho.

- Pois não somos. Nem podíamos estar mais longe. Velhos, entende? Será que me entende? Claro, os miúdos não têm isto de fumar, das mãos a cheirar a fumo, da paixão pelo copo a mais e de tudo o que vem com idade, a parte boa. Mas querem dançar, pegar nos restos, reutilizar o morto, o enterrado. O que enterrámos. Querem dançar. E sabe-se lá porquê, querem também crescer.

- Dancemos, nós.

- Pois isso que se foda. O que queremos pouco lhes importa. E muito bem. Todos artistas, quando nascemos. Todos nascemos artistas. E perdemos tudo por conselhos de amigo, conselhos de merda, não acha? O Picasso disse-o. Que todos nascemos artistas, sabe?

- Pois eu acredito que nascemos tal tábua rasa.

- O caralho, é que nascemos! Eu fui mil gente, já. E perdi-os todos, homens meus, um exército de ideias, um batalhão de ideias. Perdi-as todas, entende? Se um dia reencontrar alguma, sei de onde veio. Imagine só. Encontrar-me com o que podia ter sido, se não me tivesse perdido nisto de crescer por crescer. Passei a vida toda a querer estar aqui. Não é triste, isso? Havia mil coisas mais. Tinha de ser perfeito para não me arrepender de ter crescido. Diga-me que posso voltar atrás, voltar ao exército, ao batalhão de ideias! Medique-me, se não se importar. Fale-me de um peterpanismo que possa usar. Sabe que Picasso tinha razão? Sabe não sabe?

- Volte atrás, então! Pode-o fazer. Ir ter com o batalhão de ideias.

- O caralho, é que posso! O caralho!

12 novembro, 2011

setenta e quatro

Em quantos é que já vamos? Setenta e três, setenta e quatro com este, portanto. Mais uns quantos. A que dei outros nomes, coisas que baralham as contas. Já devia ter dito alguma coisa de jeito por este andar. Imagino uma plateia e uma meia dúzia de gente a bater palmas. Uma ovação de merda, eu corado, curvado a agradecer pela meia dúzia devotada nisto de me fazer parecer bem. Afinal de contas trouxe os pais à cerimónia, não é? Há que os deixar bem. Nem que seja por me fazer parecer bem agradecido. Já fumei dois cigarros há bocado, não tem jeito nenhum querer puxar do terceiro. O gesto de romântico que a coisa tinha já foi com a tosse de um velho para morrer. Agora é isto, as mãos cheiram a isto, a boca sabe a isto. Ao meu lado, reparo, um pacote de açúcar com uma das frases da Nicola, aquelas merdinhas de pôr sorriso na cara. "O amor é um universo alternativo, onde a paixão é o ar que respiras". Das duas uma: ou não faz puto de ideia do que é isto do amor, ou arranjou a pior forma de o mostrar em meia dúzia de palavras. Mas entre discutir com palhaçadas de um pacote de açúcar e frases bonitas, e dormir até amanhã chegar, vou pela segunda. Não esquecer: tenho de tentar não sonhar contigo. Isto de não estares ao meu lado quando acordo é a mãe das minhas insónias pelo resto da semana fora.

08 novembro, 2011

setenta e três


"Filho, não largues da asa da mãe"
e o "Cuidado, não te constipes" ,
VS.
o "Mostra às putas quem são os cabrões" do pai.
E por falar nisso, hoje fiz a miúda rir, a de que te falei.
É mais gira do que te disse, pai. Hoje,
como numa daquelas horas que passa, sabe-se lá como
("Enquanto o diabo esfrega um olho!", cortesia da mãe),
é que dei conta - uma daquelas descobertas de Einstein, sim, pai! -
que é ainda mais bonita do que te contei.
Qualquer dia arranja-se mais um prato na mesa.
As cadeiras arranjam maneira de deixar caber mais uma.
Ninguém apertado. "A comida está pronta". Está sempre.
Mas deêm-me só um bocadito de tempo.
Tenho de demorar mais dois segundos com a miúda, tenho sempre.

PS: filha da puta de coincidência !

02 novembro, 2011

setenta e dois

Se eu nunca tivesse dito um "Amo-te", era hoje que o dizia e hoje tudo tinha uma primeira vez. As palavras a nascerem como eu nasci, com os seus devidos meses de gestação, a crescerem por aqui dentro. A sala de parto onde não há onde como respirar, onde o tempo se arrasta e se atropela sozinho em horas e horas de tudo, somos sacos de porrada meu bem. E se eu nunca tivesse dito um "Amo-te", assim ficávamos, num círculo que se faz torto (a fazer lembrar as notas de merda de uma escola que me tentou fazer pegar num lápis, veja-se lá, para riscar e pintar e desenhar e o raio que os parta a todos), à volta de uma mesa, a ver quem pegava primeiro no recém chegado, no menino de ouro, na palavra-mãe disto tudo: os meus olhos nos teus, as tuas mãos do tamanho das minhas, a mania de parecermos peças de puzzle (um não muito grande, coisa divertida de montar). Os braços como a segurar um bébé, para não aleijar ninguém. Não fosse o já ter sido, e era hoje que nascíamos, os dois ao mesmo tempo. Gémeos nisto de mimarmos à exaustão os defeitos ridículos um do outro (o meu nariz torto, aqui, para o que der e vier). Quanto dinheiro temos? Quanto tempo temos? Vou ficar a olhar para o telemóvel até mexer, de notícias tuas. Despacha-te, meu bem

31 outubro, 2011

setenta e um

Vamos pôr as coisas em cima de uma estante alta,
arrumamos a casa no dia em que vier um Verão com
tempo para arrumações de casa. Até aqui temo-los
gasto em cigarros e nuvens de fumo, cama e sonhos
de nós, e temo-lo feito bem quanto baste. Somamos
tudo, os dias todos, as insónias de sorriso na cara, as
insónias de costas com costas (a cama fica gigante num
instante), e dou por mim feliz numa matemática perfeita
das coisas. Devíamos mandar metade da cama fora, pela
janela, para teres de dormir no meu peito. Tenho fumado
tanto, meu amor. As minhas mãos passam dias a cheirar a
fumo, e a voz vai ficando deliberadamente rouca. Ando a
ficar estúpido de tanto tentar ser esperto em coisas de que
não sei porra nenhuma. Estúpido a pensar em mandar metade
da cama fora. Mandar metade da casa fora. Metade de tudo fora.
Para teres de dormir no meu peito.

30 outubro, 2011

setenta

Somos miúdos esfomeados de sono. Os chinelos a meio palmo da cama para nunca andar descalço, o pijama azul feio, o cabelo penteado para a direita e o dento partido a meio que um filho da puta qualquer me há-de querer emendar, e eu quero-o assim. Os pés de um morto, os pés a morrerem de frio. Pensar que foi há tanto tempo. Era ter um cão que não morresse antes de mim, uns pais que ficassem o tempo todo por perto, que nos dessem espaço para saudades e uma mulher ou duas. Era termos isso e não crescíamos. E nunca tinha dado com esta cara ao espelho de barba por fazer, estes olhos a quererem descanso, este quarto de merda que nada tem de meu. Tenho saudades tuas. Puta que pariu o tempo e caralhos me fodam se não me fizeste falta a vida toda. Só não sei se é melhor assim. Imagina: veres-me de pijama azul feio, o dente partido a meio. Desmanchar-te-ias a rir mesmo na minha cara. Tenho uma estranha certeza absoluta de que ainda hoje teria as bochechas vermelhas, os braços arrumados para dentro dos bolsos das calças e os ombros encolhidos numa vergonha descomunal.

23 outubro, 2011

sessenta e nove

Faz alguma merda da tua vida, homem. Conselho de amigo

11 setembro, 2011

sessenta e oito



Chamar-te "querida" a puxar-te do braço, vincar os lábios a imaginar que alguém nos tem estado a ver. Tu com os teus óculos e estilo (sem demasiado esforço) de miúda vinda dos anos 60, eu com roupas do paizinho e sapatilhas que me custaram os olhos da cara (bem que pagavam uma viagem nossa). Só precisamos de uns trocos para o depósito cheio e um rádio velho, lá acabo por perceber.
Sempre que inventas quem queres ser afinal, apaixono-me. Tu és tu e mais mil gente. E amo-vos a todas.

23 agosto, 2011

sessenta e sete

Somos donos disto tudo. Politeísmo para a vida: nós os dois, deuses para isto tudo.

sessenta e seis


Tive de arranjar óculos, vestir-me como deve ser. O cabelo tem de sair bem arranjado, o nó dos atacadores dos sapatos pretos tem de ficar bem dado para sair porta fora. Não posso beber um copo a mais. Os óculos já deixam a marca no nariz, a que eu meu pai tinha sempre. Passava bem com isto de ver mal ao longe. Não precisava da marca no nariz, a que eu meu pai tinha sempre. Vou em pontas de pés à janela para te ver à espera já à porta do prédio. Havíamos de nos despachar. Temos gente à espera. Mas uma dose de calma não fazia mal a ninguém. Não te fazia mal nenhum. Tinhas de puxar da merda do cigarro. Não demoro mais que dois minutos, e puxas da merda do cigarro. Há um espelho alto na sala. Ponho-me em cima da mesa pequena para as revistas, os sapatos pretos, o fato de cerimónia, as mariquices todas. Mas se tu fumas, eu fumo. Puxo dum cigarro. Afinal isto leva mais que dois minutos. Deixo-te à espera, fico a imaginar a tua birra. Olhos nos olhos com o espelho. Sou um filho da puta dum puto mimado, meu amor.


25 junho, 2011

sessenta e cinco

- Podia ficar nisto a noite toda. (ele)

E então ela enche o copo com café. Há a nuvem de fumo por cima e um suspiro de quem tem saudades de ter sono e de não ter horas para acordar (vida de miúda).

- Sou toda ouvidos.

Ele não faz ideia de como lhe explicar que tem de ir e não a quer atrás dele. Dá por ele especado a olhar para o tecto a pensar em como um filho da puta de um beijo não mudaria nada, e a vontade de o dar ali fica, a morar com ele. Um vizinho para a vida.

02 abril, 2010

sessenta e quatro


Já era altura de dar notícias: o blog acho que fica por aqui. Pronto.
Muito Obrigado pela atenção

13 fevereiro, 2010

sessenta e três


"I'm not trying to forget you
I just like to be alone
Come and give me the space i need
and maybe we'll find we're alright"

eu fui! muahahah


08 fevereiro, 2010

sessenta e dois


Um dia, daqui a uns tempos, escritor cansado a meter conversa em bancos de jardim. Tenho cigarros no bolso para me ir tentando lembrar de ser nisto ou naquilo um pequeno Julian Casablancas na língua portuguesa. Penso nas duas mãos sobre o microfone e o casaco longo, o cabelo corrido da frente dos olhos e as poucas vezes que vi a "take it or leave it" no letterman a passarem-me na cabeça. Não falo de mim tão cedo, vou andar às voltas com o que vejo e deixar cá o que é meu. Depois deixo a história a meio. Num "o que podia ter sido.." que te deixe saudades, num livro que fala sobre ti a porra do tempo todo. E as palavras têm disto. De eu dizer que mudo e não tentar sequer. Sou a ponta da viagem que fiz sem tentar mudar nada que notes. Só perco tempo a não falar de mim porque sabes bem como vou, como ando, como já não penso em muita coisa. Vou perdendo o tempo a levar-me comigo nisto de ter outra vida, de não ser feito disto que dizes que sou, de ser um pequeno Julian Casablancas na língua portuguesa. As duas mãos sobre o microfone, "you only live once".

07 fevereiro, 2010

sessenta e um

O sabor do teu batom, o perfume e o cheiro a tabaco. O sol que nasce sempre na tua janela a mostrar os meus olhos castanhos não tão feios assim. Fico com os braços cruzados à espera de um país deserto que não tenha nome, para lhe dar o teu. Tenho a palavra perfeita para isto debaixo da língua.

PS: Era capaz de ver o The Virgin Suicides o dia todo.

03 fevereiro, 2010

sessenta

Podes ficar com esse sorriso.
Eu arranjo um meu, não importa.

28 janeiro, 2010

cinquenta e nove


where the wild things are

Pff... Filho meu vê isto mal tenha juízo e dois dedos de testa.

27 janeiro, 2010

cinquenta e oito

Só ando a tentar não pensar na conta da luz que aí vem, pelos dias em branco com o candeeiro aceso, às vezes a luz de cima, a ver da minha janela para a tua.

25 janeiro, 2010

cinquenta e sete

Há sempre mil maneiras de dizer as coisas. Entre o dizer de uma ou de outra forma, escrevo pilhas de textos e livros de merda. Abro o meu quarto para o piano e tento aprender tudo num dia, montar um espectáculo à minha volta que me encha a casa de gente, que veio de sei lá de onde (bem me importa) para me ouvir.

cinquenta e seis



















Os meus melhores dias de cão,
o meu melhor fato esfarrapado,
a coroa que ponho e o que digo:
Hoje partimos.
Não me importa se vens,
segue-me e veste-te de dourado.
Somos putos feitos de ouro, amor.
Os pequenos saltos entre uma terra
e outra, a bandeira que cravamos sempre.
Um metro pela terra abaixo e paramos
de empurrar, a bandeira fica assim.
Sopramos todos a fingir que somos vento.
Olhamos o sol a tentar arder mais que ele,
a fingir que somos putos feitos de ouro.
Somos novos, miúdos a querer o tempo de volta:
Dois ou três dias de volta em quatro ou cinco que tivemos.

cinquenta e cinco




A porta do carro aberta, o rádio e o som de merda, "The modern age" a tocar e ponho mais alto. Puxo dum cigarro que não quero fumar, largo as mãos do volante, saio e fecho a porta. Dou a volta ao carro, abro a outra porta, para ouvir a música. Encosto-me ao carro, a sola suja da sapatilha e a tinta do mercedes de um ano qualquer. Lá vens tu. As minhas mãos nos bolsos, ajeito os óculos de sol, um beijo na testa. A guitarra no banco de trás do carro e a porta aberta, um ramo de flores que te trazia caiu ao chão. Tiro-te as malas da mão e levo-as eu. Não dissemos nada. Abro a mala do carro e atiro as malas de qualquer maneira. Prendes um gancho ao cabelo, ajeitas o teu casaco feio, sentas-te no banco da frente. Sento-me em cima da mala do carro, bato no vidro de trás para vires ter comigo. Viras as pernas para o lado, poisas os pés fora do carro,
- Que foi? Chamaste?
Pego nos óculos, deixo-os na ponta do nariz, aceno com a cabeça a dizer que sim.
- Traz-me a guitarra no caminho, está no banco de trás. Escrevi-te uma coisa.
Lá te levantas e tiras a guitarra. Encostas-te ao carro atrás, cruzas um pé por cima do outro, enterras as mãos pelos bolsos abaixo. Ouves-me de uma ponta à outra. Acabamos os dois a rir. Os três acordes que paguem a viagem, e um passo de dança como deve ser, lembras-te?

24 janeiro, 2010

cinquenta e quatro



As pontas soltas do vestido e tu sem saberes dançares. Os braços meio tortos, um passo e outros tantos ao lado da música. A nossa casa cheia de comida de plástico, sacos de lixo cheios e as mesas redondas cheias de flores. Margaritas guardadas no frigorífico velho. Copos sujos para lavar a fazerem pilhas, a ver quem chega ao tecto primeiro. Limpei a guitarra cheia de pó, arrumei as beatas para um canto da casa que não cheire a fumo. Escrevi uma música, que pague a viagem embora daqui. "Don't watch me dancing" e a viagem de embora daqui paga. Dou-te o dinheiro que tenho no bolso e um par de óculos de sol, um gancho para o cabelo. Levamos a guitarra no banco de trás do carro. Vou arranjar dinheiro para uma viagem de meia dúzia de dias e uma guitarra nova. Se sobrar dinheiro arranjo maneira de aprender um passo de dança contigo a vida toda. A tua música preferida a tocar, no fundo da sala, se preferires. Se te fizer sorrir assim como quero.


20 janeiro, 2010

cinquenta e três

Arranja um gato preto
para dar azar a isto
de tudo bater certo
e sabermos, melhor
que ninguém, o que
podia ter sido.

"Hope I’m ready, able to make my own, good home

They go we go, I want you to know, what I did I did,
They go we go, I want you to know, what I did I did."

18 janeiro, 2010


Arranjar um sorriso que diga "Primavera" de uma ponta à outra, roubar ao que não muda de cor o ar sério, dizer-te que não mudo e não quero. Deitar fogo às folhas brancas a vida toda, falar sem falar de ti. Habituar-me à ideia, escrever um romance sobre dois velhos demasiado novos para se ouvirem, a porra dum desgosto por mais um dia ou dois a vida inteira. A bebedeira no corpo todo. O beijo de boa noite na testa que não sirva de nada. Vou tentar guardar o corpo direito, o corpo bebâdo, o peito feito e o plano de fuga feito, guardado debaixo da cama onde nunca durmo. Vou fazê-lo, o que nunca fiz, o que tenho feito a vida toda sem querer. O cigarro a apagar apesar de tudo, a deitar fogo às minhas melhores meias dúzias de linhas. Escrever a história de novo, um final feliz desde o início e uma capa que tenha o meu nome, em letras pretas gigantes. A minha melhor história. Por escrever.


" "Rome is burning", he said as he poured himself another drink, "yet here I am knee deep in a river of pussy." "Here it comes", she said to herself, another self-centered whiskey soaked guy talking about how fucking great everything was in the past and about how all us poor souls born too late to see the Rolling Stones at where ever or snort the good coke they had at Studio 54. How we all just missed out on practically everything worth living for, and the worst part was, she agreed with him. "Here we are", she thought, at the edge of the world, and all of us are so desperate to feel something, anything that we keep falling into each other and fucking our way towards the end of days" californication, EPO6, S1

16 janeiro, 2010

cinquenta e um


Todas as tuas músicas preferidas metidas na caixa de cartão, os meus discos preferidos a caminho da tua nova casa longe como tudo. Todos os três acordes que sabemos tocados mil e uma vezes e a mesma frase uma e outra e outra vez (a noite toda nisto), a nossa canção preferida que nunca ouvi de uma ponta à outra. O que mudares, mudo contigo, a crescermos os dois: que se fodam os pôres do sol que nunca havemos de ver juntos.

11 janeiro, 2010

cinquenta

As minhas saudades de dois dias
cada vez que o sol me nasce entre
um canto e o outro da janela
e eu perdido a dar conta dos
braços que o vento me leva,
os dedos que me rouba,
as linhas que quis,
as saudades que emprestei
e os gestos vão-se assim,
pela janela aberta
de uma ponta à outra,
como um sorriso.

26 dezembro, 2009

quarenta e nove


O banco para me pôr mais alto, os meus oito anos e o pés descalços em cima de mais uma pilha de livros. O banco e meia dúzia de livros, o tamanho que tenho hoje. A arrumar o quarto que tenho hoje e as saudades que faço por ter para me lembrar de ti. Mais um ano e outro, e outro. Tenho quase o meu tamanho e a minha idade, quase nunca estive tão bem. Os meus oito anos na altura e as minhas saudades de hoje. É quase ano novo e a casa cheia, faltam dez segundos e o copo quase cheio, as doze passas mal contadas deixadas na mesa. É ano novo. Abraços e beijos de uma vez, as dozes passas sem pedir desejo nenhum, o copo bebido de uma vez. Tinha oito anos, tinha os pés descalços em cima de uma pilha de livros, em cima de um banco, a esconder uma caixa bem no fundo do armário. Hoje a pilha de livros de livros meus, hoje o banco que não chega a ser tão alto, e no fundo do armário, bem no fundo, estico-me para chegar e ver o que lá deixei. è pequena, mais do que me lembrava, mal me lembrava. Desço a pilha de livros e o banco, sento-me com a caixa nos joelhos e conto os anos que já lá vão. Os meus oito anos e as saudades que tenho, o mesmo quarto e a mesma cama da altura. É muito tempo.

"O beijo e o quase beijo,
as mãos dadas por uma
Primavera que chegue
hoje."
Bom ano!

quarenta e oito

Hoje não durmo. Deixa-me aprender a tua música preferida..

quarenta e sete

Desta vez fico, arranja uma cama para mim.
Um quartito chega-me, não precisa de janelas.
Não precisa de mesa nenhuma, de armário nenhum.
Não precisa de estar perto ou longe da porta,
não é preciso que lá caiba Coimbra inteira.
Mas quero estar perto uns tempos e ficar depois disso.
Vou estar à tua porta, a menos que chova, de mala na mão esquerda, o ombro a cair, e uma caixinha aberta na mão direita, um anel lá dentro.
Só precisamos de um quartito pequeno,
não precisa de janelas. Só preciso que não chova.
Às tantas passo a noite em claro a olhar-me ao espelho,
a ver-me, o casaco e os botões atados até ao cimo,
os laços enormes dos sapatos molhados nas pontas,
a caixinha aberta e o anel lá dentro.

22 dezembro, 2009

quarenta e seis


Agora segues-me. A partir de agora tudo é a primeira vez. É o meu primeiro "amo-te". A árvore mãe, o meu primeiro beijo. A chávena quente com leite, os lábios juntos a soprar.
- Deixa-me tirar-te uma fotografia.
Levo a chávena à boca, a tentar não queimar a língua, com os olhos postos em ti, a tentar sorrir.
- Assim não. Poisa o copo. Olha para mim.
Poiso a chávena, olho-te nos olhos. Nunca tinha visto que eram castanhos.
- No outro dia lembrei-me de ti...
- Então porquê?, levo os lábios à chávena. Tapo os dedos com as mangas da camisola.
- Vi o teu filme preferido. Deu há dias na televisão.
- E então? Já te tinha dito para o veres.
- Não entendo como gostas daquilo! Adormeci a meio.
Sorrio e olho para baixo. Depois para os teus olhos castanhos e tiras-me uma fotografia.

É a que hoje temos no nosso quarto.

20 novembro, 2009

quarenta e cinco

"a minha cor favorita". boa leitura.

www.sendspace.com/file/lqsmpj

17 novembro, 2009

quarenta e quatro

Tenho tido tempo. Tenho mudado. Não sei por onde começar, o que dizer agora. Não me ouças. O que quer que seja que diga, não ouças. Amanhã vou embora. Hoje nunca aconteceu.

01 novembro, 2009

quarenta e três


Vamos vestir pele de monstro, lutar a caminho de casa pelo trilho de terra, ver quem rouba o sol primeiro. Trocar o som da chuva pela minha música preferida, ter-te à minha volta em tudo e esquecer-te à mesma. É a pele de monstro que quero. Quero sorrir e sentir outra pele por cima, a esticar, ter uma espada na mão e os olhos postos no sol. Roubá-lo e ver o que tem dentro. Dá-lo a uma menina de olhos castanhos qualquer. Tenho o arco e a flecha, o meu melhor sorriso, o bolso cheio de pedras. A segunda pele vestida. Tenho o coração aos saltos e um poema sabido de cor. Vim o caminho todo a contar quanto tempo falta para ter as mãos maiores, os pés gigantes, a cauda e a coroa posta, uma cara nova.
A minha casa. Terra-mãe.

rumpus!

23 outubro, 2009

barulhos da casa VII

As mãos no fogo, a promessa que te fiz não quebro. Velho para isto de querer perder o medo do escuro. Ele que venha, tenho os olhos fechados. Não vivo disto, do quase te ter, do quase querer dizer o teu nome para não ter de escrever tanto à tua volta sem te tocar. Não vou mudar. Juro.

17 outubro, 2009

quarenta e dois


Lembras-te da primeira vez que falámos? Ando a tentar lembrar-me de tudo e à procura de espaço na cabeça. A guitarra ao meu lado, uma música quase escrita. Vou só pelas últimas cordas e por duas frases o tempo todo. Tenho dormido debaixo deste céu, sobre a pedra, minha cama. Um livro quase lido, dois quase escritos. Vou atrás de ti a levar tempo, a ver se amanhã é outro dia afinal de contas. Tenho medo que seja. Por mim. Por nós.
A minha almofada feita de aviões de papel amarrotados, metidos num saco velho, a minha cabeça sobre ela, a minha mão à tua volta. Os pés e as meias rotas, o pijama e o cabelo curto,
o amor e o tempo que demora.

09 outubro, 2009

quarenta e um

Preciso de uma pista para saber o que te passa pela cabeça, agora, e os teus olhos não param quietos. Quero um cigarro que não apague tão cedo, que me deixe ter esta conversa contigo. Não quero que fiques, não quero que vás. Só acho que às vezes o Inverno deixa saudades, porque nessa altura ainda tinha saudades tuas..

05 outubro, 2009

quarenta


Os lençóis puxados até ao pescoço, um ramo de árvore cravado no colchão da cama, a montar uma tenda. Fujo da almofada e abraço os joelhos, sentado, acendo luzes dentro da cama. Ponho o capus do casaco na cabeça. Tenho os pés frios, estico as calças do pijama e tapo-os, balanço-me para a frente e para trás. Vou cantando baixinho. Com as mãos abertas bato no colchão, dou pancadas secas e bato palmas. O braço a sair da tenda, à procura da guitarra. Ponho-a de lado, trago uns quantos livros em branco, um lápis de cor. Um pianinho de brincar também. Tenho um ramo de flores em cima da mesa de cabeceira, ao lado direito da cama. Trago-as para dentro, tiro pétalas e canto baixinho. Dou pancadas secas na cama, a ver as pétalas saltar, a virarem-se ao contrário. Juro ver duas bolhas de sabão passar. Os dias passam-se, o verão vai-se indo embora. A barba grande e o cabelo à frente dos olhos. Tenho latas pequenas de tinta à mão, para ir pintando os cobertores por dentro. As mãos em concha, a segurar as pétalas, a imitar uma chuva, e uma ou duas bolhas de sabão a passar.

let the blind lead those
who can see but cannot feel.

21 setembro, 2009

trinta e nove

Roubou um copo cheio da mesa ao lado, a segurá-lo com dois dedos de cada lado, tirou os anéis todos que tinha e guardou-os no bolso. A caminho da casa de banho tropeçou em si mesma e os calcanhares magros doíam, os saltos altos, não muito, não ajudavam. Com o braço direito abriu a porta e tirou o cabelo dos olhos, a tentar ver qualquer coisa. Com o esquerdo empurrou uma miúda a choramingar baixinho. Com os dois abriu caminho até ao espelho. Fechou os olhos e passou as mãos pela cara, a esconder-se, depois pela torneira, e levou à boca. Retocou o batom e examinou cuidadosamente as olheiras negras, pesadas, vivas, em carne morta. Com o batom vermelho desenhou uma cruz no dedo do anel, no lugar do anel. Depois desenhou no espelho. Primeiro uma cara, orelhas, olhos, olheiras debaixo. Por último, um sorriso parvo, demasiado grande. Um auto-retrato apressado. Tentou imitar o desenho. O copo estava ao lado da torneira, ainda cheio. Brindou a olhar-se ao espelho. Piscou o olho direito, torceu para que o esquerdo não lhe fosse atrás, morto de sono. Tirou os sapatos, deixou-os ao lado da torneira. Descalça, pôs-se em bicos de pés, espreguiçou-se, beijou a cruz de batom vermelho no dedo, dobrou-se como a ceder a uma dança, como a agradecer a quem ia reconhecendo no espelho à frente. Voltou aos bicos de pés, empoleirou-se no lavatório, deu um beijo ao espelho, na bochecha, piscou o olho. Voltou a treinar o sorriso. Saiu-lhe bem desta vez. Voltou a pegar no batom, subiu ao lavatório, baixou-se. Escreveu a letras maiúsculas, no vidro, "Casas comigo?". Por baixo, como em pequena, uma caixinha para sim e outra para não. A caixinha sim mil vezes maior. Imitou o sorriso outra vez. Saiu perfeito. Pegou no telemóvel, desceu pela lista de números, parou. O telemóvel a apitar. Do outro lado "Estou? Que é que se passa?". "Vem à casa de banho das senhoras, rápido,
e traz uma flor na mão".

15 setembro, 2009

trinta e oito

Mudei de roupa sete vezes, procurei farrapos por toda a casa. Vesti os piores que tinha e desci as escadas do prédio até uma loja de roupa qualquer. As mangas ou longas ou curtas demais, tudo fica feio. Subo e volto a casa. Perco 10 minutos a escolher o que levo e 2 a vestir-me. Dou meia volta à casa à procura do que calçar. Procuro num armário alto uns sapatos antigos que não fiquem muito mal, e escolho uns de há uns anos. Apertam-me os pés, fazem-me os pés mais pequenos, um número ou dois. Dou um jeito aos ombros e desço. Trago um copo ainda na mão, que devia ter deixado lá em cima. Bebo de uma vez e deito o copo ao chão, à porta do prédio, chuto pedaços de vidro para trás de uns contentores ao lado. A camisa está por passar a ferro e a barba mal feita. Dei duas baforadas de perfume em vez de três. Os pés começam a doer logo entro no carro. Os ombros descaem, mal me lembro de me compor. As calças longas demais, raspam no chão e vão rasgando. Tenho horas de sono em falta, tenho as pálpebras dos olhos a fechar. Sigo pelo passeio, olho para o relógio a cada dois passos. Não cai uma pinga do céu há três semanas e tropeço em poças de água, umas atrás das outras, escapo a esta, sujo-me naquela. Tiro o telemóvel do bolso e marco o teu número. Não respondes, deixo uma mensagem: “estou quase a chegar”. Tiro o anel que nunca tiro, arrumo-o no bolso do casaco. Chego à rua do restaurante, ouve-se a vossa conversa do outro lado da estrada. Passo entre os carros, tropeço e fujo dumas quantas poças, fujo por uma unha negra dum carro. Olho pelo vidro, sentaram-se junto à janela. Bato com o dedo indicador no vidro, o braço esquerdo enterrado no casaco a segurar o anel, aceno com a palma da mão direita. Vejo-te no meio da mesa, com um lugar à frente vago. Não mudaste nada.


.Fica

30 agosto, 2009

trinta e sete


A vermelho vivo, no muro da rua magrinha, alguém escreveu "Verão". Duas ruas mais abaixo e outro muro diria "Primavera", com plantas pintadas de roxo. A pequena terriola era toda ela um tapete de pedras lançado ao chão, com meninas pequenas à janela, a sorrir e a dizer adeus a quem passar. Passa uma mão cheia de rapazes de bicicleta rente aos muros.
Três meninas de vestido espreitam da varanda de flores e arranjos bonitos presos ao cabelo a cair nos ombros esqueléticos. O vestido de uma das meninas é vermelho claro, preso com um laço grande na cintura e do lado esquerdo fios pretos que lhe vão caindo da barriguinha até às pontas do vestido, onde se veêm flores e afinal são caules os fiozinhos pretos que lhe caem do umbigo. Noutro vestido, azul, da menina ao lado, uma flor pequena ao peito e pouco mais. Do outro lado a última das três meninas, com um vestidos e fita verdes. A última das três empoleira-se sobre um vaso da varanda, com os sapatos pequenos a pisar um flor bem nascida. Da varanda vê um rapaz e ele acena às três. Vira de novo a cabeça e diz "Boa tarde senhor José" para um velhote, uma varanda ao lado. Tinha vestida uma camisa muito fina, branca, abotoada duma ponta à outra, e umas calças demasiado quentes, de um castanho enfadonho. Tem uma mesinha redonda mesmo à beira, onde poisa um copo de vinho a caminho de vazio. Tem papéis amontoados que não foram mais que uma frase feita e outros muitos maus começos. Tem quase dez bolas de papel aos pés, e chuta-as a cada passo que dá à procura da garrafa de vinho.
Uma, sem querer, chuta-a e deixa-a cair pela brecha da varanda.
O menino que passava apanha-a do chão e desdobra a folha. Lê as três estrofes que a enchem, vira costas, e vai roubar uma flor ao jardim em frente ao prédio. Traz uma flor feia, que cresceu torta, e segura-a com a mão direita. Na esquerda, o papel amarrotado. O velho grita da varanda a pedir a folha, chama-lhe "pirralho" e outras coisas feias. O rapaz lê o poema todo, esticou o braço com a flor. Declamou-o à menina de vestido vermelho, com fiozinhos pretos a cair da barriga. As outras duas cuxixam e riem baixo. A menina de vermelho ouve-o de mãos a segurar o queixo vincado, atira-lhe beijinhos. As duas meninas puxam a de vermelho para dentro e o rapaz segue passeio fora. O velho casmurro às tantas ri-se. Dá um golo curto do copo e faz um avião de papel com a folha em cima da mesa, o seu último mau começo. Atirou-o varanda abaixo e depois atirou mais uns quantos. Nessa tarde, disse-se pela rua que choveram aviões de papel.

27 agosto, 2009

trinta e seis

o 18:

Hoje, a caminho de casa, com a barriga a apertar de fome, no autocarro, reparei num miúdo ao colo da mãe, no banco logo por trás do condutor. Ria-se alto, as velhinhas dos bancos de trás coxixavam, e o menino quase a cair dos braços da senhora, a olhar pela janela diz "Ponte. Tão grande!" e põe um sorriso enorme nos lábios. Não parou de falar durante um segundo, ainda tirei os auscultadore dos ouvidos para o ouvir melhor. De vez em quando tentei ver se o condutor lhe ia achando alguma piada. No caminho todo, nem um sorriso deu. Não me pareceu que tenha achado um pingo de graça ao rapaz. Achei justo ter a partir de hoje um carinhoso ódio de estimação pelos condutores de autocarros.

(isto tudo a ouvir: young adult friction - the pains of being pure at heart)


09 agosto, 2009

trinta e cinco



(plano de férias)
Vou escrever Verão nas paredes do quarto,
prender os óculos de sol ao colarinho da camisa,
arrumar malas e mudar-me para o sótão.

mudando de assunto:

A bola de novelo a rodar, a ponta do fio enrolada à volta do dedo pequeno do pé descalço da mulherzinha. O gato corre debaixo da cama, puxa-lhe a saia, morde o novelo e empurra-o pelo quarto fora. O barulho das pedras na janela, dos miúdos que detestam a mulherzinha por tudo e por nada. A menina do apartamento ao lado sai de casa e não leva chapéu-de-chuva, que leva sempre. Deve-o ter perdido ou não ouviu na rádio que dava chuva. Entretanto o gato foge com o novelo de fio roxo pela escada em caracol e deixa-o fugir. A porta da entrada estava aberta e o gato foge com o novelo. Agora desce as escadas do prédio. O novelo de fio roxo acaba, a bola feita em nada. O gato está à porta do prédio, a rolar em cima de folhas no chão, da planta ao lado que morreu há meses. Chove a cântaros. A menina do chapéu-de-chuva vermelho, volta com um jornal a tapar o cabelo. Não tinha ouvido a rádio de manhã. A mulher que no prédio dizia sempre quando chovia tinha adormecido, e o gato tinha-lhe fugido com o novelo de fio. A menina ao entrar no prédio vê o gato, reconhece-o, pega-lhe pela barriga. Sobe as escadas todas e bate à porta da mulherzinha, dona do bicho. Ninguém responde que a mulher está a dormir, ferrada na cadeira, com uma revista de arraiolos nas pernas. A menina leva o gato para casa, deixa-o no sofá. Passeia-lhe a mão pela pele, improvisa uma taça para lhe deixar comida. Estende-lhe uma manta no canto da sala. Decide esconder o gato da velha durante duas semanas. Depois deixa-o à porta da velha com uma fita e um laço dado no pescoço, a lembrar uma prenda.

(na cabeça: animal collective_winters love)

14 julho, 2009

trinta e quatro




Desci as escadas do prédio, a poisar o pé degrau sim, degrau não. Viro a esquina, e antes de atravessar a estrada, deito o olho às flores do jardim apertado do prédio. Ao meu lado para atravessar a estrada, uma menina de t-shirt branca, de cabelo curto, com um ramo de flores na mão. Fazia uma semana que tinha mandado imprimir em A3 uma fotografia do teu sorriso na papelaria perto de casa. Entro e a rapariga da papelaria entrega-me as folhas para a mão. Enrolo as folhas por baixo do braço direito e saio de mãos mergulhadas no casaco comprido. É verão e não saio à rua sem casaco, por falta de roupa limpa em casa. A pilha de louça suja também cresce, já quase cai e já não dou um passo sem dar conta que a casa precisa de ser arrumada. Chego a casa, subo degraus aos passos largos, digo adeus a quem passa. Espalho as folhas pela cama feita. Rasgo cada uma em rectângulos pequeníssimos. Amontoo os pedaços no chão, vou buscar debaixo da cama uns quantos que fugiram e arregaço as mangas da camisa de que gostas. Ponho as mãos em concha e encho-as de pedaços de pequenos do teu sorriso. Peça a peça, junto os bocadinhos de papel, da esquerda para a direita. Ouço fechar a porta do prédio, se calhar és tu. Balanço para trás, de joelhos no chão, dormentes, e sorrio, “está quase”. Engano-me uma ou duas vezes, pelo caminho. Não tenho jeito com puzzles grandes, embirro como em puto. Como tu, apetece-me pôr os punhos colados às bochechas vermelhas e suspirar. Acabas sempre por rir depois de o fazer. Ficas linda quando o fazes, quando tentas ficar séria logo a seguir. Monto mais uma mão cheia de peças e tenho saudades do teu cabelo ruivo, curto, sobre o meu ombro, contigo a soprar-me no pescoço a brincar. Ouço fechar a porta de casa. Monto o último pedaço de papel. Levanto-me com as duas mãos, aperto os joelhos dormentes, olho para baixo. Olho pela porta, e para o chão de novo. Construí o teu sorriso, amor.

02 julho, 2009

trinta e três

   
O candeeiro sobre a mesa mal arranjada, com uma das pernas mais curtas, com livros a fazerem-lhe o jeito. Já não me lembro de o ver desligado e madrugada adentro, vai-se encurtando a montanha de livros ao lado da cama. O rádio antigo faz ouvir o roer alto do disco a caminho de desfeito e a música fica pelo mesmo som uma mão cheia de tempo. Um mosquito chato remói em volta da minha orelha. A música não vai para além do estar quieta. Baixo um pouco o candeeiro e o mosquito voa, poisa na lâmpada a ferver, cai ao chão a imitar uma pedra. Dum canto ao outro da boca, sorrio. 
Não me lembrava de gostar do Verão assim.

11 junho, 2009

trinta e dois

O vão de escada roído e os degraus das escadas amontados, roídos também. Está frio cá fora. Um menino de gorro e casaco vermelhos a escrever com um lápis de cor nas lombas dos degraus um nome, de uma menina. Desço e vejo, em todos os degraus, o nome da menina. Rio-me baixinho. Ele frenético a escrever degrau sim, degrau sim, as quatros letras do nome da menina. E eu rio-me baixinho de novo. Eu a ver que o mesmo nome, me diz o mesmo. Tento puxar do bolso do casaco grande um lápis também, mas nem o procuro. Tenho idade para ter juízo e não para escrever nas lombas de degraus corações pequenos e mal feitos. E o menino pequeno, a correr sozinho, a amar mais. Desenha metade de um coração e pára, volta-se, olha-me nos olhos. 
Vira-se outra vez, desenha a outra metade. 
Tiro o peso dos ombros, tiro a mão direito do bolso fundo e dou um jeito no cabelo sobre os olhos. Peço-lhe o lápis vermelho. Subo os doze degraus e no cimo das escadas, no canto mais alto da parede, em bicos de pés, escrevo o teu nome

30 maio, 2009

barulhos da casa VI


Quero fazer anos hoje. Quero a porra dum bolo grande que me encha a mesa redonda e uma mão cheia de velas. Que me ponham mais velho, não me importa. Quero ter fome no corpo e quero-te aqui também. Não exijo que me dirijas uma palavra sequer. Não me digas é que mudei porque se há coisa que faço é não mudar.
Imagino o bolo enorme sobre a mesa redonda. Da minha pequena janela sobre a mesa de jantar, ainda se vê um quarto do sol de manhã, entre dois prédios quase iguais, quase colados um ao outro. Por volta de Junho, quase que se apanham nuvens no céu, daqui. 
Espera por mim que já desço. Tenho de vestir qualquer coisa, retocar o sorriso. Abro a porta, dou um jeito no casaco, nos ombros quase a cair, olho para a minha mesa redonda, para a janela, não sei porque não faço anos hoje. Vou oferecer-me uma prenda qualquer que custe muito. Um bolo grande que me encha a mesa, para jantar. 

23 abril, 2009

trinta e um



hoje ainda quero ser o primeiro 
homem a chegar à Lua. 

Vai tudo correr bem, só pode correr bem. 
Vem lançar aviões de papel e vestir outra 
roupa que possas sujar. Vens comigo agora.

Vim ver como estavas, meu amor.
Estás linda.

16 abril, 2009

trinta

O que foi de nós, quem fui, vem comigo. Trago-o às costas e um mapa para não me perder muito longe. Ainda em casa oiço o telefone não tocar. Nunca és tu. Não ouço notícias tuas há demasiado e tenho medo que tenhas seguido viagem também. A cruzarmo-nos numa rua qualquer duma cidade que não sei qual, tenho estudado o que dizer, como sorrir. Hei-de ter medo no lado direito do lábio superior a querer morder o debaixo, e depois solto um sorriso rasgado. Vais dizer "vai-se andando" ou "está tudo bem, obrigada" porque dizes sempre obrigada e não obrigado. Ainda não sei ao certo qual dirás, depende do tempo que passar até nos cruzarmos. Se for "vai-se andando" hei-de sorrir e mostrar na covinha das bochechas que tinha medo por ti, do que quer que fosse. Se "está tudo bem, obrigada" largo os lábios um do outro e sorrio rasgadamente, a brilhar dos meus olhos castanhos que pouco ou nada brilham. Depois, sigo viagem, chuto pedras pequenas pelo caminho que hão de rolar sobre o passeio cheio de poças e hei-de me olhar ao espelho de um carro para ver quão bem afinal me saiu o sorriso. "Saiu bem" hei-de pensar. Dobro a última esquina a caminho de casa e lembro, a disparatar sem querer, uma vez que te disse "és o que quero para nós". 

10 abril, 2009

vinte e nove

"estou feito um homem"... digo.
volta e meia tenho medo do escuro, e sou pior que uma criança.

06 abril, 2009

vinte e oito

a ver onde vou ter se me deixar andar.
sorrio e sorris também, minha querida.
brinco com a tua orelha entretanto,
damos a volta ao mundo e voltamos aqui.

vinte e sete

saudades do tudo dito.
quero um poema que dê volta
e meia a isto tudo e acabe
aí mesmo, no meio de nós,
entre esta mão que quase te dou
e neste beijo que a bem ou mal te devo.
tenho saudades do dito por não dito
e do não saber se é para aqui que vou bem.
depois conto-te como quase te dei esta mão
e dou mesmo, afinal.
e dou notícias deste beijo que afinal chega e
afinal tem resposta.

19 março, 2009

vinte e seis ( o senhor Lobo Antunes )


O senhor Lobo Antunes quase que é da família. Já a mesa posta, o meu pai traz a revista com a crónica do senhor Lobo Antunes. Leio-a e a comida a arrefecer no prato. O meu pai traz sempre a revista como quem traz uma carta que veio de longe, de alguém de quem a gente gosta muito e só escreve de vez em quando. A comida arrefece 
no prato o tempo que for preciso.
O meu pai pergunta-me sempre se a crónica está gira. 
Respondo sempre o mesmo. 


PS: hoje, a dar voltas com as palavras
descobri a pior palavra do dicionário 
da minha língua portuguesa: quase.

13 março, 2009

vinte e cinco


Tenho um miúdo pequeno à minha perna, a querer fazer-me ter medo de 6ªs feiras treze. Sou mau com números, já lhes tive mais medo. Tenho mais medo de miúdos pequenos, à perna, a falarem-me de coisas de que ainda ontem tinha medo. A ver quem ganha, não lhe respondo. 
O miúdo não me ganha nenhum riso, nenhuma reacção. 
Vira-me as costas. Manda parar, ao lado, um outro 
senhor, a querer espalhar a má notícia.
Fala-lhe ao ouvido que é 6ª feira 13, 
que dá azar. Tem mais medo que eu, o outro senhor. 
Vai embora depressa, a fugir do pior presságio.
Sorrio, vou embora tal gato preto pela rua, 
faço figas para te encontrar. 
Na sorte, ainda acredito. 

PS: feliz 6ª feira 13

02 março, 2009

barulhos da casa V












I'm put together beautifully
Big wet bottle in my fist, big wet rose in my teeth
I'm perfect piece of ass
I'm a festival, I'm a parade

Nothing can touch us my love

We'll take ourselves out in the street
And wear the blood in our cheeks
Like red roses
We won't be disappointed
We'll fight like girls for our place at the table
Our room on the floor

Our hands are covered in cake
But I swear we didn't have any.

Oh, come, come be my waitress and serve me tonight
serve me the sky with a big slice of lemon 

PS: tudo dito.